“Acho difícil reverter a influência de disputas políticas eleitorais nesses outros espaços”, diz cientista política sobre tom de eleição para Conselhos Tutelares

A eleição para os conselhos tutelares, mesmo facultativa, teve uma participação recorde, no último domingo (1/10), em mais de 5 mil municípios do país. Dados do  Ministério dos Direitos Humanos apontam que, somados os números de eleitores das capitais e do Distrito Federal, mais de 1,6 milhão de brasileiros foram as urnas.

A eleição, que em tese é voltada à escolha de representantes para defender os interesses de crianças e adolescentes, ganhou ares de disputa política, com a ação de agentes políticos em prol da eleição de apadrinhados. O movimento de apoio e incentivo à participação no pleito também foi realizado em por igrejas e nas redes sociais.

A cientista política, Luciana Santana, disse em entrevista ao CadaMinuto, que a disputa entre os espectros políticos, vista na eleição dos conselhos tutelares, faz parte de uma estratégia dos candidatos para ocupar outros espaços e ganhar visibilidade. Para ela,  esse tipo de situação, assim como a rivalidade e a disputa ideológica, vão acontecer de forma muito recorrente, a partir de agora, por influência da polarização política caracterizada pelo embate entre direita e esquerda.

Luciana falou sobre o que contribuiu para a presença expressiva de eleitores, sobre a ligação de candidatos a conselheiros com partidos e explicou por que a eleição de conselhos tutelares interessa tanto a políticos.

Confira a entrevista:

As eleições para conselhos tutelares no país, ocorrida no último domingo (1º), ganhou tons de eleições municipais. A que se atribuiu isso?

As políticas públicas na área de assistência social têm sido, hoje, muito disputadas politicamente. E aí, claro, a própria polarização na conjuntura nacional acabou influenciando. Então, isso potencializou o engajamento das pessoas em relação a essas eleições. E, claro, por estar ali no nível que a gente chama nível de rua, isso faz com que ela se assemelhe muito às eleições no âmbito municipal, pela proximidade com as pessoas, com os usuários dessas políticas. E claro, acaba havendo um aproveitamento político das lideranças locais, porque querem aproveitar também esses espaços para ter visibilidade, para construir uma carreira política a partir da participação nesses conselhos.

Em todo o país o número de pessoas que compareceram para votação foi acima do registrado nos últimos pleitos para Conselho Tutelar. O Ministério dos Direitos Humanos chegou a afirmar que a participação foi recorde. Na sua opinião, quais fatores contribuíram para esse comparecimento “expressivo” nas urnas?

Essa expressiva participação, comparecimento nas eleições, reflete também a importância que tem se dado ao papel dos conselhos em políticas públicas nessa área de assistência social, e que contempla outros segmentos, como educacional e outros ligados a temáticas no nível de rua. Políticas que de alguma maneira são municipalizadas e que têm uma participação intensa dos conselhos, e aí claro, esse quadro de polarização política no país acabou influenciando também maior engajamento de pessoas nesse processo.

Em muitas cidades, houve disputa acirrada, que expuseram um tipo de continuidade da disputa ideológica entre direita e esquerda, vista nas últimas eleições políticas realizadas no país. Quais os possíveis benefícios que políticos, inclusive com cargos públicos, têm ao dar apoio a um candidato para o Conselho Tutelar?

O que os políticos ganham? Influência política. São pessoas que, de alguma maneira, têm influência sobre decisões importantes que atingem a população, especialmente crianças, adolescentes, e isso de alguma maneira dá visibilidade tanto para o político, que vai se aproveitar dessas políticas para ampliar seu capital político, quanto àqueles que estão entrando na política e que desejam a partir da participação dos conselhos ter maior visibilidade. Então, é uma troca de mão dupla.

Líderes religiosos, artistas, políticos fizeram campanha nas redes sociais, inclusive com acusações sobre os conselheiros terem uma atuação ideológica. Diante dessa disputa entre direita e esquerda há como evitar que os eleitos atuem de forma imparcial, sem defender bandeiras partidárias?

Esse tipo de situação vai acontecer de forma muito recorrente, a partir de agora, e por essa influência da polarização política. Não vejo como algo extraordinário esse tipo de disputa. Há como evitar quando a gente tiver uma maior pacificação em relação a essas disputas também em outras arenas, em outros espaços. A gente ainda está com os resquícios muito fortes e não vejo ainda espaços para mudanças nessa direção. Acho muito difícil que a gente consiga reverter a influência dessas disputas políticas eleitorais nesses outros espaços. É algo, é uma realidade que está dada hoje. Para evitar depende também de um apaziguamento nacional.

A maioria dos candidatos a conselheiro tutelar já tem alguma ligação com partidos ou com políticos. É errado afirmar que muitos usam o cargo como trampolim para uma possível disputa a uma câmara municipal? De que forma essa intensão política pode prejudicar a atuação dele na defesa das crianças e adolescentes?

Não é errado afirmar que eles usam esses cargos como trampolim político. É um trampolim político! É um espaço importante de visibilidade e que mostra ali a habilidade daquela liderança, para ver se tem um potencial para futuramente estar disputando cargo de vereador, depois deputado ou até mesmo de prefeito. Dependendo de onde ele tiver localizado e o nível de engajamento dele, tanto junto a esses segmentos, essas pautas de defesa da criança e adolescente, quanto também pautas partidárias, do ponto de vista de que partido ele representa. Se é o caso. Alguns não estão ali como partidários, como filiados a partidos, mas aqueles que estão filiados a partidos políticos têm essa questão de também ter essa representação partidária.

Quando e por que o Governo Federal decidiu unificar o pleito em todo o território nacional? Essa decisão pode ter gerado o interesse da população em ir às urnas?

Acho que a decisão por unificar o pleito foi extremamente estratégica e muito importante, porque permite dar visibilidade ao papel dos conselhos, a importância do conselho para a sociedade. Em tese, você esperaria que tivesse maior transparência, a gente viu que houve alguns problemas em alguns lugares, mas, de forma geral, a gente pôde perceber que a campanha, o engajamento das pessoas ali foi bastante direcionado para essa eleição em determinado momento. Então, acho que foi bastante positivo e dentre os objetivos era esse, ampliar a conscientização sobre a importância dos conselhos tutelares e ampliar também a própria campanha. Eu acho que isso foi bastante positivo.

Na sua opinião, a atuação dos conselheiros tutelares tem uma relação natural com a política ou essa relação, mais próxima de uma disputa eleitoral, com influência e apoio de políticos, abre margem para corrupção e ineficiência dentro da instituição?

Não acho ruim que tenha relação com a política, não. Acho natural que se aconteça porque são pautas políticas, a gente falar de defesa de direitos das crianças e adolescentes é uma pauta política, uma pauta importante que demanda uma interação com os poderes, executivo, legislativo, com os órgãos de controle, com o próprio judiciário. Então, não vejo problema em relação a isso. Agora, claro, há riscos nesse envolvimento partidário, eleitoral, que realmente cabe margem para práticas de corrupção, o que deve ser repudiado. De qualquer forma, é o controle social é muito importante nessas horas, para evitar efetivamente que haja uma inversão de valores e que os objetivos não sejam atendidos satisfatoriamente, que é defender a questão de defesa das crianças e dos adolescentes.

Como você avalia a eleição para Conselho Tutelar de 2023? Você concorda com o pleito da forma que foi? Por quê?

Acho que deveria ser unificado sim e há coisas que precisam ser aperfeiçoadas. A utilização, por exemplo, da urna eletrônica deveria ser unificada em todo o país. O TRE (Tribunal Regional Eleitoral) deveria apoiar melhor essa eleição para garantir, efetivamente, essa confiabilidade no processo. Então eu concordo, mas tenho críticas e acho que algumas coisas precisam ser aperfeiçoadas.

Você acha que o modelo deve ser adotado para a eleição de outros conselhos, como saúde e educação?           Não acho que dá para reproduzir automaticamente para outros conselhos. Acho que são políticas diferenciadas, com características distintas e que não vejo, hoje, como unificar os procedimentos para todos os tipos de conselhos. Até porque tem um impacto no caso desses dois conselhos, o governo federal acaba, de alguma maneira, tendo relevância nos resultados e até na condução dos processos relacionados a essas áreas temáticas, seja na saúde, seja na educação, enfim. Acho que não vem ao caso. Tem regulamentos próprios para indicação dos membros que fazem parte desses outros conselhos. Acho que a gente precisa entender qual é o papel de cada conselho e a dinâmica que cada um deve definir, seguindo, claro, as normativas e os regimentos.

 

Fonte Cadaminuto

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