Alagoana conta sua trajetória até alcançar papel de destaque no filme Deus é Brasileiro: “A arte me encontrou em Potengy”

Multiartista, contadora de história, da beira do Velho Chico. Assim se descreve a alagoana Linete Matias. Ela conta que nasceu e se criou no povoado Potengy, a 6km de Piaçabuçu, onde relembra uma infância vivida pescando e catando fruta.

Filha de pescador e cortadeira de arroz, o lar humilde e morte da mãe interromperam parte das brincadeiras de criança. “Perdi minha mãe aos três anos e, aos oito, assumi todas as tarefas do lar por ser a única mulher da casa – minhas duas irmãs mais velhas; uma casou e a outra foi trabalhar em Aracaju. A comunidade machista e de interior entendiam que essa era uma função feminina, ainda que estivéssemos tratando de uma criança”, afirma. “Assim, cuidei do meu pai e de quatro irmãos mais velhos”.

Linete sempre fez questão de estudar. Segundo ela, tinha consciência de que só a educação lhe traria a possibilidade de fazer escolhas. O que costumava ver na comunidade eram meninas casando e tendo filhos aos 12, 13 anos de idade. E, para conseguir manter seu desejo, muitas vezes teve que ir caminhando pelos quilômetros da estrada de barro que ligam o povoado ao município vizinho.

Perto de completar 15 anos, Dalva de Castro, secretária de cultura à época, criou um trabalho social de arte e cultura cujo objetivo era ensinar música, intercalando cultura popular e MPB, para o coral da igreja do qual Linete participava.

“Fui me apaixonando, dois meses depois fui convidada para integrar o grupo Caçuá, que estava montando um espetáculo e ia viajar para o Paraná. Aceitei. Foi quando eu comecei a me inserir no universo da arte, cultura, cultura popular local e regional. Meses depois estava viajando e gravando o primeiro CD com o grupo. Assim começou minha formação agente cultural”, relembra.

Com esforço, estudo e dedicação, a arte foi fluindo em sua vida e ela começou, aos poucos, a colher esses frutos. Arilene de Castro, atriz e diretora de cena, irmã da secretária de cultura, era contratada para ministrar aulas no povoado e Linete começou a ensaiar essas turmas quando a professora estava impossibilitada.

“Nesse meio tempo, já estava indo a Maceió para estudar e ter repertório para ensinar. Aos poucos fui coordenando e assumindo essa turma de teatro”, afirma.

Contação que vem de berço
Antes de escolher estudar teatro na UFAL, ela conta que pensava em estudar arquitetura, mas a arte foi um caminho natural no qual ela escolheu permanecer. “Por ser multitarefa eu acredito que é da minha natureza ser multiartista e à medida em que fui amadurecendo, fui descobrindo. A música tem feito uma camada para as minhas narrativas, mas agora quem está mais forte na minha vida é a contação de histórias. Desde 2013 que venho me dedicando mais exclusivamente a esse ofício”, completa.

Hoje, Linete é arte educadora concursada pelo estado de Sergipe, trabalho que assumiu também em 2013 e que a permitiu ter tranquilidade financeira para estudar e se dedicar à contar histórias com a estética que mais lhe interessava, mais tradicional e a partir da sua memória, especialmente da infância.

Por mais que seja multiartista e “esteja” atualmente nesse ofício, recentemente ela descobriu que a contação é mais enraizada do que imaginava, está no sangue. “Descobri que minha mãe era contadora de história durante a pesquisa para o estudo da monografia para o meu TCC”, conta.

A readaptação da artista na pandemia

Um pouco antes da pandemia, ela foi selecionada para circular pelo projeto Arte da Palavra do SESC nacional para fazer uma circulação nacional do seu espetáculo Encantado das Águas.

O vírus impossibilitou as viagens, mas fez com que ela se reinventasse às pressas, levasse a arte para o público por meio digital e realizasse um dos seus sonhos antigos. “Por poder produzir de qualquer lugar, consegui voltar para a minha comunidade, minha casinha e fazer minha produção com os pés dentro da água do São Francisco. Recentemente, comecei a ministrar oficinas de teatro no povoado e finalizamos o primeiro módulo”.

O primeiro trabalho que ganhou destaque foi sua atuação como Luzinete, a noiva no filme Deus é Brasileiro de Cacá Diegues. Como contadora de histórias, além de circular pela rede nacional do SESC através do Projeto Oralidades, já participou de feiras literárias de Belo Horizonte, Fortaleza, Poços de Caldas e Santos.

Agora, Linete está em pausa para montagem de espetáculo, resultado de um prêmio da Secretaria de Cultura do estado e segue em busca da realização de outro grande sonho.

“Tudo o que eu produzia na capital estou trazendo para a comunidade, os diretores, equipe técnica… Todos vindo para cá realizar meu desejo de lançar um trabalho nacionalmente, direto do meu quintal”, revela. “A arte me encontrou em Potengy e se faz muito presente”, completa.

Como a arte entrou em sua vida

 

Fonte Cadaminuto- C/ Eufêmia

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