Celebração na Serra da Barriga retoma legado do Quilombo dos Palmares

Após quatro anos, foram retomadas nesta segunda-feira (20) as festividades do Dia da Consciência Negra na Serra da Barriga, em Alagoas, no Parque Memorial do Quilombo dos Palmares. O local foi sede do quilombo que teve Zumbi como último líder. A data estabelecida para celebrar a luta contra o racismo no Brasil é o dia da morte da liderança quilombola.

Na madrugada desta segunda-feira (20), sacerdotes das religiões de matriz africana subiram a serra, em rituais, para cultuar os ancestrais. No início da manhã, foram levadas flores em oferenda às orixás femininas das águas, na lagoa do parque. “A água é a força da natureza”, enfatizou Pai Célio Rodrigues, um dos responsáveis por conduzir as celebrações.

À frente dos trabalhos também estava Mãe Mirian, que, com 89 anos, é uma das matriarcas das religiões de matriz africana de Alagoas. “É um grande dia de emoção, quando viemos homenagear 300 e poucos anos da morte do filho de Palmares”, disse a líder do Ilé N’ifé Omi Omo Posú Bétá, que fica em Maceió. “Espero que isso aqui seja respeitado, valorizado, porque é um patrimônio histórico, não só de Alagoas, mas do nosso Brasil, e talvez do mundo todo, onde viveu um herói que lutou pela liberdade do negro”, acrescentou a sacerdotisa.

Nas primeiras horas da manhã, pequenos grupos subiam a serra a pé para participar das celebrações, que incluíram diversas apresentações artísticas ao logo do dia. Com 68 anos, o indígena Benedito Bezerra era uma dessas pessoas, que não se desanimavam com a caminhada, apesar do calor e do sol que já brilhava antes das 6h.

Antigo morador da região, ele ainda se lembra do período antes do reconhecimento do espaço como um local de memória.

“Não, não tinha comentário de nada. Sempre era a Serra da Barriga, era a Serra dos Negros, não tinha essas coisas”, conta Bezerra, que acompanhou, ao longo dos anos, o parque ganhar importância.

Muitas pessoas, no entanto, estavam pela primeira vez no local. Moradora de uma comunidade remanescente de quilombo no município alagoano de Inhapi, Maria José Gomes da Silva nunca havia estado no parque. “Representa muita riqueza. E eu achei lindo. A primeira vez que eu vim, aqui eu achei lindo”, disse a quilombola, de 37 anos, sobre as primeiras impressões a respeito do local.

Para presidente da Fundação Cultural Palmares, João Jorge Rodrigues, entidade que organizou o evento, as celebrações de 20 de novembro na serra, a manutenção da memória é parte fundamental da luta antirracista no país. “A partir de agora, tem que ser um ritual fazer as coisas no Brasil inteiro no 20. Tem que ser um ritual fazer as coisas cada semana, tem que ser um ritual apoio e fomento para a comunidade negra, tem que ser um ritual proteger pessoas para quem a gente vai, hoje e amanhã, falar e pedir minutos de silêncio como o Mãe Bernadete”, defendeu João Jorge, ao lembrar da líder quilombola assassinada em agosto na Bahia.

Pertencimento

A pesquisadora e doutora em educação Vanda Machado foi uma das pessoas que acompanhou o processo de criação do memorial, na década de 1980. Para a professora, se aproximar da Serra da Barriga traz uma sensação de pertencimento. “Eu estou chegando na minha casa”, diz sobre o sentimento evocados pela primeira vez que esteve no lugar onde foi erguido o Quilombo dos Palmares.

Uma emoção que se renova a cada retorno. “Eu conto sempre da minha alegria quando diz, quando o comissário [de voo] diz: ‘dentro de alguns instantes estaremos pousando no Aeroporto Internacional Zumbi dos Palmares [aeroporto de Maceió]’. Isso tem um significado pra gente muito grande, é Zumbi dos Palmares. O da minha terra é o nome de um homem branco.”

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