Bolsonaro começa a mostrar fatura das suas projeções sobre a pandemia

RASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente Jair Bolsonaro tem intensificado estratégia de blindagem política para tentar evitar que os efeitos da pandemia do coronavírus sejam usados contra ele na disputa eleitoral de 2022.O plano consiste, neste primeiro momento, na defesa pública de que o coronavírus se trata de uma adversidade pequena, que não justifica medidas restritivas que podem aumentar o desemprego no país.

A ideia é que, ao se antecipar agora sobre os impactos econômicos que são praticamente inevitáveis, o presidente explore, na corrida eleitoral, a retórica de que a sua postura era desde o início a mais acertada, mesmo que contrariando as recomendações das autoridades de saúde.Na última sexta-feira (17), em conversa com um grupo de apoiadores, Bolsonaro deixou clara a sua intenção. Ele ressaltou, em frente ao Palácio da Alvorada, que chegará o momento em que as pessoas dirão: “Bolsonaro tem razão”.

O objetivo é não permitir que a crise sanitária prejudique seu capital político e associe seu governo a uma recessão econômica. O desempenho da economia costuma ser um dos elementos que ajudam a definir uma eleição presidencial.

“Espero que não venham me culpar lá na frente pela quantidade de milhões e milhões de desempregados na minha pessoa”, disse o presidente, em entrevista.

Assim, além de criar uma vacina eleitoral para que não seja responsabilizado pela piora dos dados econômicos, Bolsonaro poderá culpar e cobrar a fatura de eventuais adversários, como os governadores de São Paulo, João Doria (PSDB), e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC).Os dois, seguindo orientação da OMS (Organização Mundial da Saúde), adotaram o isolamento social com o objetivo de achatar a curva de contágio, em uma tentativa de evitar que o sistema de saúde entre em colapso.

“Além do vírus, agora também temos o desemprego, fruto do fecha tudo e fica em casa”, criticou Bolsonaro recentemente.Mesmo que o isolamento social seja bem-sucedido, este também poderá ser explorado pelo presidente, na avaliação de assessores palacianos. A aposta é que, com menos mortes pela Covid-19, a tendência seja de a população minimizar os efeitos do isolamento social e, assim, passar a concordar com a tese de Bolsonaro de que as medidas de restrição são exageradas.

A mesma lógica usada na defesa da atividade econômica tem sido reproduzida ao pregar a utilização da hidroxicloroquina para pacientes em estágio inicial da doença.Mesmo sem haver estudos conclusivos sobre o sucesso na cura do coronavírus, Bolsonaro adotou o medicamento como bandeira política. A rede bolsonarista chegou até mesmo a apelidá-lo de “remédio do Bolsonaro”.

A estratégia é a mesma: ao politizar o assunto neste momento, o presidente pretende explorá-lo como uma bandeira eleitoral caso a substância seja comprovada como a mais eficaz para enfrentar a doença.Um estudo chinês recente, porém, apontou que a hidroxicloroquina não tem apresentado resultados melhores que os cuidados que costumam ser prescritos para o tratamento.”Pode ser que a cloroquina não dê certo, mas você não tem outra alternativa no momento”, disse o presidente na quinta-feira (16).

“Essa é a minha opinião de leigo, eu faria isso [usar mesmo antes de finalizar os estudos]”, acrescentou.As apostas de longo prazo feitas por ele são consideradas arriscadas pelo núcleo moderado do Palácio do Planalto. Isso porque, apesar de terem o potencial de evitar que ele seja culpado por um desastre econômico, podem vinculá-lo a uma tragédia sanitária caso se repita no Brasil o cenário enfrentado por países como Itália, Espanha e Estados Unidos.

Pelo menos em curto prazo, o discurso do presidente causou arranhões em sua imagem, motivou panelaços em todo o país e afetou o seu potencial de mobilização nas redes sociais. De acordo com a última pesquisa Datafolha, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta teve quase o dobro da aprovação do presidente na gestão da crise.Com uma posição oposta à de Bolsonaro em relação ao isolamento social, Mandetta foi demitido na quinta-feira.

Pesquisa do Datafolha mostrou que a exoneração dele foi reprovada por 64%. O ex-deputado federal do DEM foi substituído pelo oncologista Nelson Teich, que defende um equilíbrio entre medidas que preservem a vida e evitem o desemprego.A estratégia de Bolsonaro foi inspirada inicialmente pela resposta do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Em um primeiro momento, o americano também comparou o coronavírus a uma gripe comum e avaliou como exagerada a preocupação em torno da doença.Com o aumento do número de casos nos Estados Unidos, Trump modulou o discurso. No Brasil, Bolsonaro também ensaiou alterar o tom, seguindo conselho da cúpula militar do Palácio do Planalto, mas acabou desistindo.

Segundo relatos feitos à reportagem, o presidente foi convencido a não abandonar sua estratégia pelo filho e senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e pelo deputado federal Osmar Terra (MDB-RS).A avaliação foi a de que, ao desistir da defesa da flexibilização do isolamento social, o presidente estaria assumindo que cometeu um equívoco, dando razão para críticas, inclusive dentro de sua base de apoio.Além disso, o discurso afinado com as orientações das autoridades de saúde já havia sido incorporado por todos os prováveis adversários do presidente na próxima eleição.

A conclusão foi a de que seria mais vantajoso a ele, portanto, seguir no contraponto.Assim como o presidente, Terra é favorável a uma quarentena vertical, ou seja, que só sejam isolados os grupos de risco, e defende a utilização da hidroxicloroquina no tratamento de pacientes com a Covid-19 em estágio inicial.Terra foi cotado para substituir Mandetta, mas sofreu forte resistência da cúpula militar, para a qual a indicação de um político e amigo do presidente para o posto poderia ampliar o desgaste causado com a troca no comando da pasta.

“Eu gosto muito do Osmar Terra. As opiniões dele são muito parecidas com as minhas”, disse Bolsonaro na quinta-feira. “Ele é uma pessoa que entende do assunto e espero que ele esteja certo”, acrescentou.Já Flávio, que ajuda na interlocução do pai com o setor empresarial, tem sido ouvido por Bolsonaro desde o início da crise sanitária. O primogênito foi o principal defensor da retórica do presidente de que não deve haver histeria no país e que a atividade econômica não pode ser paralisada.

GazetaWeb

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