Órgãos de controle miram farra de compras sem licitação na pandemia em Alagoas

O limite entre a prudência e o erro é quase imperceptível quando se fala em licitações públicas e a Lei do Coronavírus (13.979/2020) abriu um precedente arriscado, mas indispensável na situação em que o Brasil está. Permitiu a dispensa deste processo para aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública. É justamente nas compras diretas que os gestores incorrem em erros que podem lhes custar até o mandato. Em Alagoas, órgãos de controle estão atentos e, numa análise preliminar, já perceberam falhas e cobraram explicações dos compradores.

Somente no Ministério Público de Contas (MPC) de Alagoas, o Grupo de Trabalho Especial e os procuradores de contas espalhados pelo interior abriram 54 procedimentos ordinários (POs), 59 representações, expediram nove recomendações e enviaram 34 ofícios, sendo um deles circular a 100 municípios do estado. Ao todo, são, pelo menos, 156 atos correspondentes à fiscalização dos gastos contra a Covid-19.

O órgão tem atuado em parceria com o Ministério Público Estadual (MPE) na análise da administração dos recursos empregados no combate ao novo coronavírus. O trabalho em conjunto mobiliza uma grande equipe de promotores, procuradores e servidores destas instituições. Todos estão imbuídos em analisar, principalmente, as informações que constam nos Portais da Transparência, no link específico dos gastos relativos à pandemia.

A legislação em vigor prevê que a dispensa de licitação é temporária e aplica-se, apenas, enquanto perdurar a emergência de saúde pública de importância internacional. Os gestores ficam obrigados a informar, no site, todas as contratações ou aquisições realizadas neste período. E devem especificar o nome do contratado, o número de sua inscrição na Receita Federal do Brasil, o prazo contratual, o valor e o respectivo processo de contratação ou aquisição.

Não está sendo exigida a elaboração de estudos preliminares quando se tratar de bens e serviços comuns, mas, para contratar, o comprador precisa apresentar termo de referência simplificado ou de projeto básico simplificado. E o MP de Contas informou, esta semana, que detectou falhas nos termos de referência de todas as contratações diretas feitas pela Prefeitura de Maceió, por meio da Secretaria Municipal de Educação, Secretaria Municipal de Saúde, Secretaria Municipal de Assistência Social, Secretaria Municipal de Segurança Comunitária e Convívio Social, Secretaria Municipal do Trabalho, Abastecimento e Economia Solidária, além da Agência Municipal de Regulação de Serviços Delegados.

De acordo com o procurador de contas Pedro Barbosa Neto, faltam informações mínimas, nestes documentos, exigidas pela Lei do Coronavírus, como a estimativa prévia dos preços dos produtos e serviços contratados e a pesquisa que baliza os valores. Todos os gestores destas pastas foram notificados a prestarem esclarecimentos e aconselhados a corrigirem o erro.

Outras incongruências identificadas pelo MP de Contas são avisos de cotação para contratação de serviço de buffet para a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Maceió e de seguradora para emissão de apólice de seguro de vida individual. Também está sendo analisada a compra de equipamentos hospitalares de alto custo, como Eletrocardiograma (10 unidades); Sistema de Tomografia Computadorizada (1 unidade); Aparelhos de Raio-X (1 unidade) e Radiologias Computadorizadas (1 unidade); assim como a aquisição de 25 mil máscaras artesanais para serem distribuídas aos servidores da referida secretaria.

Para o órgão de controle de contas, há aparente impertinência ou desconexão com o contexto de combate à pandemia ou, ainda, inobservância aos preceitos mínimos da Lei 13.979/2020. Apesar das falhas identificadas, o MP de Contas trata estes casos específicos no município de Maceió como indícios de irregularidades. A alegação dos procuradores é que não dispõem de elementos suficientes para fiscalizar e constatar se houve ou não erros e dano ao erário.

Embora, destaca que a ausência de informações obrigatórias no Portal da Transparência do município de Maceió, como o termo de referência completo com todos os dados exigidos como objeto das contratações diretas, pesquisa de preços e valores de referência dos produtos e serviços praticados no mercado, já seriam, por por si só irregularidades, uma vez que descumprem a legislação em vigor e dificultam a fiscalização dos órgãos de controle e da própria sociedade.

Os gastos nos municípios do interior também são alvos de fiscalização por parte do MP de Contas. Um levantamento recente detectou, pelo menos, 20 contratos de licitações com sinais de irregularidades em nove prefeituras. Juntos, os termos firmados correspondem a uma despesa total (e parcial) de quase R$ 1 milhão. Os procuradores de contas avaliam que são gastos públicos não prioritários, fora os processos em curso, com preços ainda não definidos, que podem alcançar R$ 2 milhões.

Quando encontrou estas inconsistências, o órgão expediu recomendações aos prefeitos dos municípios de Belém, Cacimbinhas, Craíbas, Estrela de Alagoas, Jaramataia, Minador do Negrão, Quebrangulo, Traipu e Viçosa, solicitando a suspensão, a revogação ou a anulação dos contratos/licitações identificadas como não prioritários para o momento de pandemia.

Ainda há suspeita de fraude no contrato firmado para aquisição da central de gases medicinais destinada a equipar o hospital de campanha montado no município de Girau do Ponciano, no Agreste de Alagoas. O MP de Contas encontrou fortes indícios de irregularidade no contrato de de R$ 332 mil e pediu ao prefeito David Ramos de Barros e à secretária de Saúde, Maria Gorete Santos Santana, a suspensão imediata do pagamento à empresa Alafia Empreendimentos Eireli-ME.

O procurador de contas Rafael Alcântara descobriu que a referida empresa atua no ramo de incorporação de empreendimentos imobiliários, tendo como atividades secundárias a construção civil e o comércio varejista de materiais de construção, sendo a atividade econômica incompatível com o objeto do contrato. A representação em que pede a suspensão do pagamento tramita no Tribunal de Contas do Estado (TCE).

Outras representações também foram protocoladas contra os municípios de Arapiraca, Campo Grande, Jacuípe, Lagoa da Canoa, Limoeiro de Anadia, Novo Lino, Olho D?Água Grande, Passo de Camaragibe, Porto Real do Colégio, São Brás, São Miguel dos Milagres e Taquarana. Nestas prefeituras foram identificadas irregularidades nos Portais da Transparência, em descumprimento às regras impostas pelo momento de pandemia.

A procuradora de contas Stella Méro explicou que, em muitos casos, o link específico Covid-19 nos referidos portais, não cumpre a finalidade, levando em consideração que os conteúdos estão distantes das exigências legais, o que acaba dificultando a fiscalização e acompanhamento do controle externo. Segundo ela, todas as informações devem ser disponibilizadas em tempo real e foram percebidas falhas graves nestes portais.

Além disso, uma análise nas folhas de pagamento do mês de abril de 2020 dos municípios de Maceió, Palmeira dos Índios e do Estado de Alagoas, feita por técnicos do Ministério Público de Contas e da Controladoria Geral da União (CGU), identificou 2.126 servidores públicos contemplados pelo auxílio emergencial, concedido pelo Governo Federal, durante a pandemia do novo coronavírus. O valor somado de recebimento alcança R$ 1.542.000,00.

Apesar destas medidas tomadas, o MP de Contas informou que os resultados das fiscalizações poderiam ser outros se não existisse a dificuldade de notificar os gestores públicos municipais. O órgão alega que os telefones de contatos e e-mails da maioria das prefeituras municipais de Alagoas, disponibilizados nos próprios sites institucionais e no portal da Associação dos Municípios de Alagoas, estão desatualizados.

Várias ações estariam paralisadas pela falta de comunicação. Entre os exemplos, cita o cruzamento dos dados para identificar os servidores públicos que receberam indevidamente o auxílio emergencial (ação em parceria com a CGU/AL); do projeto ?A educação não pode esperar?, que visa saber quais ações os municípios de Alagoas estão realizando para minimizar os prejuízos à educação pública nesse período de pandemia; o controle dos gastos emergenciais contratados pelos gestores; correções nos portais da transparência; dentre tantos outros pedidos de informações e requisição de documentos, que seriam fundamentais às ações de controle externo.

Diante da atuação dos MPs, o Tribunal de Contas expediu o Ato 01/2020, que dispõe sobre determinações e recomendações a serem seguidas pelo estado e pelos municípios alagoanos para minimizar os impactos da crise de saúde internacional decorrente da Covid-19, aprimora medidas de fiscalização e cooperação no âmbito de atuação do TCE e dá outras providências. O documento assinado pelo Pleno da Corte foi divulgado no dia 7 de maio deste ano.

Os conselheiros orientaram os gestores a elaborar um plano de contingência para o enfrentamento da pandemia, cujas diretrizes precisam estar alinhadas com os planos nacional e estadual de contingência para infecção humana pelo novo coronavírus. As gestões devem disponibilizar estes termos nos sites oficiais e encaminhá-los ao TCE. Nos portais da transparência, a exigência do tribunal, com base na Lei do Coronavírus, é que as prefeituras criem um link específico contendo todas as contratações realizadas neste período, que façam um replanejamento orçamentário e financeiro, revendo a estimativa de receitas e reavaliando as despesas.

O ato prevê a obrigação, aos gestores, de envio de relatório ao TCE contendo quais e como foram adotadas as providências, sob pena de multa. E recomenda que qualquer ato de declaração de estado de calamidade pública no município seja apreciado pela Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas (ALE/AL).

Foram instituídos grupos de trabalho técnico, no âmbito do tribunal, para atuarem com temporária exclusividade na fiscalização das medidas adotadas. Os membros, entre outras tarefas, monitoram as contratações celebradas, analisam relatórios de replanejamento orçamentário e financeiro, o avaliam o plano de contingência de despesas, fiscalizam as ocorrências de despesas/contratações não prioritárias, acompanham periodicamente os portais de transparência.

Já o Ministério Público Federal (MPF) ainda se debruça na apuração da compra de respiradores pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), via Consórcio Nordeste. Os aparelhos não chegaram a Alagoas e o calote está sendo objeto de investigação por parte do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A assessoria de imprensa do MPF informou que o órgão enviou ofício à pasta estadual, que tem 10 dias para responder. Dentre as informações requeridas, o Estado terá de informar a origem dos recursos para a aquisição dos equipamentos, pois cabe ao MPF acompanhar a utilização de verbas públicas federais.

Fonte: GazetaWeb
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