Jornalista Ricardo Corrêa:
“A inflação persistentemente alta como vista em fevereiro, o cenário externo desafiador gerado pelas incertezas trazidas por Donald Trump e as dificuldades políticas que fizeram com que só agora em março a discussão do Orçamento 2025 pudesse ser iniciada não deixam dúvidas sobre o tamanho do desafio de Lula e de seu governo para recuperar popularidade.
A base é pequena, a direita parece mais organizada nas redes e o Executivo patinou nas ações e nas comunicações em sua primeira metade. Só um personagem tem ajudado Lula: o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O ato deste fim de emana, em Copacabana, no Rio de Janeiro, é um bom exemplo de como, pelo puro interesse pessoal de não ir para a cadeia e para recuperar sua elegibilidade, Bolsonaro dá uma força a um governo nas cordas. O principal tema da manifestação é a anistia aos presos pelos atos golpistas de 8 de Janeiro. A sociedade se divide sobre esse perdão, mas rejeita majoritariamente o que se viu na Praça dos Três Poderes em 2023. Também rejeita, como mostram as pesquisas, qualquer iniciativa de enfraquecimento da Ficha Limpa, outro caminho para tentar salvar o futuro de Bolsonaro.
Se o ex-presidente fizesse essa movimentação sozinho, vá lá, mas ele obriga que sua base aliada trabalhe inteira com esse tema no topo das prioridades. Quem ousa desviar-se para outros assuntos, como Nikolas Ferreira na história do Pix, ou busca outras alternativas, por exemplo, é repreendido nas entrelinhas e lembrado de que pode perder o apoio e ver a máquina bolsonarista mudar de rumos.
Quem ousa enfatizar a importância de Tarcísio de Freitas como opção para 2026 é acusado de “trabalhar pelo sistema”. A ordem é manter o candidato inelegível como prioridade. E se ele for substituído de última hora, o que é inevitável, que seja por um membro da família Bolsonaro.
A manifestação até poderia ser um pedido por impeachment de Lula, como queriam alguns apoiadores. E com o foco principal nas dificuldades econômicas sustentadas pelo país, por mais que não seja este o remédio para um governo ruim. Pregar a saída de quem está no poder (por meios democráticos) faz parte do jogo político. Mas Bolsonaro desautorizou e deu a ordem de que a pauta principal é a anistia e que só se pode falar na saída do presidente atual se for ‘Fora Lula em 2026’. É uma estratégia de deixar fazer o governo sangrar até lá.